sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A MENINA DAS BALINHAS DE CAFÉ - Por Gerivaldo Alves Neiva (www.gerivaldoneiva.blogspot.com)

A MENINA DAS BALINHAS DE CAFÉ

Ou uma brevíssima introdução ao estudo do Direito...




Gerivaldo Alves Neiva1




Coração Civil




Quero a utopia, quero tudo e mais
Quero a felicidade nos olhos de um pai
Quero a alegria muita gente feliz
Quero que a justiça reine em meu país
Quero a liberdade, quero o vinho e o pão
Quero ser amizade, quero amor, prazer
Quero nossa cidade sempre ensolarada
Os meninos e o povo no poder, eu quero ver...




Milton Nascimento e Fernando Brant







.... 6,5,4,3,2,1, amarelo, vermelho!

M... não deu prá passar na sinaleira. Ou semáforo. Ou farol... o que seja!

E esta é demorada... Começou a contagem regressiva do vermelho para o verde: ...99, 98, 97...

Esta é aquela da menina que vende balinhas de café. Lá vem ela. São quatro filas de carros e eu sou o primeiro da fila da coluna dois. Ela deixa um pacotinho de bala sobre o retrovisor do meu carro e corre para o próximo atrás de mim. Vou contando: 1, 2, 3... me perdi. Parece que 8 ou 10. Agora ela corre do primeiro ao último. 1 real cada pacotinho. É pegar ou largar.

Adoro essas balinhas de café. Acho que não tem problema comprá-las, pois além da embalagem própria, ainda vem com outra embalagem por cima. Dei-lhe uma moeda de 1 real e voltei a acompanhar sua maratona. Um olho na menina e outro no contador da sinaleira: 35, 34, 33.... Caramba! Será que vai dar tempo! 21, 20, 19... ainda faltam uns três carros. 8, 7, 6... Ela conseguiu!! Que maratona!

Na minha conta, parece que vendeu uns 3 ou 4 pacotinhos de balas. Quando o sinal ficou verde, ainda vi pelo retrovisor interno ela se esquivando de alguns veículos apressados, em meio a buzinas e fumaça, e retornando para a sombra de uma árvore no canteiro ao lado da pista. Deveria estar suada e cansada. Eram 13:45 e certamente fazia muito calor. Com meu ar condicionado e meu vidro com película protetora não dá para sentir. Olhei uma última vez pelo retrovisor e vi a menina de perfil. Tive a impressão de que ela estava grávida. Caramba! Mas ela deve ter 14 ou 15 anos e já está grávida!

Preciso me concentrar no trânsito, mas a imagem da menina continua em minha cabeça. Seu olhar é piedoso e sério. Como seria o sorriso dela? Os cabelos longos de rabo de cavalo, parecendo uma cigana ou indiana. Bonita ela. Os seios são pequenos e o corpo é magro e forte ao mesmo tempo.

Segui minha viagem, mas a cena não me saía da cabeça: a menina que vendia balinhas de café na sinaleira. Pensava bobagens assim: e se alguém pegasse o pacote de balas e saísse em disparada sem pagar? E se ela fosse atropelada quando ainda se desviava dos carros? Deus é mais...

Dirigia e pensava: será que as balinhas eram dela ou eram de alguém que comprava e repassava prá ela vender? Que bobagem... Ora, então ela podia ser empregada de alguém. Também podia ser uma vendedora autônoma. Sendo assim, a cena que me perturbava poderia ser típica de uma relação de emprego ou de compra e venda de mercadorias... relação de consumo? É Lei demais...

Ora, sendo compra e venda, então estamos diante de um contrato típico.

(... Estou me lembrando de um texto do Professor Flávio Tartuce que fala do vendedor de amendoim na praia e a boa-fé objetiva. Gostei da forma como ele introduz a discussão sobre uma questão teórica jurídica: amendoins na praia... Está lá em www.flaviotartuce.adv.br, na seção de artigos...)




E balinhas de café na sinaleira? Não creio que seja uma relação de emprego. Está mais para um contrato mesmo. Igual ao menino dos amendoins na praia do Tartuce.

Então, sendo contrato, podemos pensar em partes contratantes, objeto, cumprimento das obrigações, mora, inadimplência, boa-fé objetiva, função social dos contratos e tantos outros princípios previstos no Novo Código Civil. É Lei demais, meu irmão...

De outro lado, pode ser uma relação de consumo? Aplicar o Código de Defesa do Consumidor em relação de compra e venda de balinhas na sinaleira, pode? Neste caso, havendo descumprimento, seria competente o Juizado de Defesa do Consumidor ou o Juízo da Vara Cível? Tome-lhe mais Lei...

De fato, tem Lei prá tudo: vivemos contratando diariamente em várias situações, sou parte, sou consumidor, sou vítima...

E a menina? Será que esta grávida mesmo? Quem será o pai? Se o pai não assumir, pode requerer a ação de investigação de paternidade e realizar o DNA? E o bebê já tem direitos desde a concepção ou só depois de nascido? Isto tudo está na Lei... Código Civil...

E se ela fosse atropelada enquanto corria entre os carros? Teria culpa o motorista ou seria culpa exclusiva dela? Seria crime culposo ou doloso ou não seria crime atropelar uma menina maluca correndo entre carros para vender balas de café? Êpa! Código Penal na área... É, Código Penal também é Lei.

Cabeça de Juiz é um problema. Para cada situação, uma Lei. Para uma pobre menina vendendo balas, já apliquei a legislação Civil, Penal, Trabalhista e Consumidor. Além de viver procurando uma Lei para cada caso, Juiz também é condicionado a pensar em Direito privado, público, adjetivo, substantivo, material, objetivo, subjetivo..., como se isso fosse possível no mundo pós-moderno, industrializado, informatizado e globalizado...

Mas vamos voltar à menina das balinhas e seu bebê... Ora, se ela está grávida, então é pessoa humana do sexo feminino. É uma mulher, tem sentimentos e certamente tem um nome: Maria, Raquel, Júlia, Regina, Érica, Luana, Donatela, Flora, Amélia...? Não. Amélia, não!

Voltando às nossas leis: além de vendedora de balinhas de café na sinaleira, agora nossa menina também é uma pessoa humana. Então, posso pensar que ela tem Direitos? Será que ela sabe que tem Direitos? Será que ela sabe que a princípio a Lei é para todos? Que somos todos iguais perante a Lei? Deixa prá lá...

Lei e Direito sempre causa confusão nas pessoas. Por exemplo, aplicamos várias Leis enquanto pensávamos na menina que vende balinhas de café na sinaleira. São centenas ou milhares de Leis. Para cada problema, uma Lei. Nossa mentalidade legislativa é tão forte que pensamos na Lei como se o fato que ela regula fosse isolado do mundo social. É como se existisse apenas de um mundo das Leis. Está tudo normatizado... Certa vez ouvi Luis Alberto Warat dizer: “vamos brincar na floresta enquanto o normativismo não vem.” Que legal!

Com tanta lei, é como se nossa menina fosse também isolada do mundo, hermética, pura.... Como se o Direito fosse uma ciência pura, fora do mundo...

Mas o Direito não é a Lei? O Direito não é tudo que está posto nos Códigos e nas demais leis e normas? Vamos pensar mais um pouco...

Assim, por exemplo, vamos pensar que que a menina que vende balas de café na sinaleira está negociando e praticando atos jurídicos. Logo, podemos dizer que aí está presente o Direito? Sim, é certo. De outro lado, quando pensamos que uma adolescente de 15 anos está vendendo balinhas de café na sinaleira para sobreviver, que esta adolescente tem uma família, vive em uma sociedade, tem um nome, está grávida e é uma pessoa humana que tem direitos, podemos dizer que também aí está presente o Direito. Ora, se é assim, então o Direito é maior do que a Lei? Sim, é certo.

De fato, agora podemos pensar em Direitos (dos) Humanos, Direitos Fundamentais, Direitos Constitucionais, dignidade da pessoa humana, cidadania, solidariedade...

Na verdade, para compreender esta relação de Direito e Lei com mais profundidade precisamos estudar mais do que o Direito como ciência. Precisamos de outras ciências. Precisamos de lições, principalmente, de filosofia e sociologia, ou seja, de interdisciplinaridade. Um pouco de psicanálise também faz bem.

Precisamos de outras respostas: quem é nossa menina e por que ela se tornou vendedora de bala de café na sinaleira? Quem são seus pais? Onde mora? Quem é o pai do seu filho? Por que não está na escola? Está fazendo pré-natal? Tem lazer e cultura?

São divagações filosóficas e sociológicas imprescindíveis à compreensão de um fato revestido de relações sociais e jurídicas, onde também está presente o Direito.

Com essa compreensão, seremos meros “contratantes” quando nossa menina for apenas uma vendedora de balinhas de café na sinaleira; seremos “conhecedores de leis” quando nossa menina for apenas parte de relações jurídicas as mais diversas e, por fim, seremos “juristas verdadeiros e humanistas” quando compreendermos que nossa menina, primordialmente, é uma pessoa humana que precisa ser cuidada e, por conseqüência, quando compreendermos que é tarefa do verdadeiro jurista lutar para que nossa menina tenha assegurados seus direitos, a dignidade e a cidadania.

Assim se resume a diferença entre Lei e Direito. A Lei regula os fatos sociais e o Direito, em companhia de outras ciências, nos faz compreendê-los. Não é fácil?

Finalmente, depois de distinguir e separar a Lei do Direito, sendo mais do que um mero comprador de balas e conhecedor de leis, o jurista verdadeiro e humanista precisa ter a compreensão multidisciplinar do fenômeno social e lutar, cotidianamente, por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Sonhar, pois “sem sonhos não existe a transformação da realidade e o homem que perde a capacidade de sonhar, perde a capacidade de viver...” (L.A. Warat).

Por fim, este é o sentido da nossa existência e da existência do Direito: alcançar a JUSTIÇA, ou seja, a UTOPIA! Como nos ensina L. A. Warat no Manifesto do Surrealismo Jurídico: “o sentido do Direito é o de ser parte do sentido de uma prática social.”




Conceição do Coité – Ba., 22 de outubro de 2008, ano XX da Constituição Federal de 1988.

gerivaldo_neiva@yahoo.com.br

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1 Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité – Ba.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

ADPF PROPOSTA PELA OAB


EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB¸ por seu Presidente, vem, à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seu advogado infra-assinado, com instrumento procuratório específico incluso e endereço para intimações na SAS Qd. 05, Lote 01, Bloco M, Brasília-DF, com base nos arts. 102, § 1º e 103, inciso VII da Constituição Federal c/c art. 1º, parágrafo único, inciso I e art. 2º, inciso I da Lei nº 9.882/99, e de acordo com a decisão plenária tomada nos autos do protocolo nº 2008.19.06083-01-Conselho Pleno (certidão anexa – doc. 01), propor
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
nos termos seguintes:
1. O DISPOSITIVO LEGAL QUESTIONADO
Eis o teor do dispositivo legal questionado (§ 1º do Art. 1º da Lei nº 6.683/1979), e que é o ato do poder público objeto da presente argüição:
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
2. CABIMENTO DA PRESENTE DEMANDA
2.1 PRESSUPOSTOS PARA O CABIMENTO DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL "INCIDENTAL"
Após apontar que a doutrina, quase que a uma só voz, extrai da Lei nº 9.882/99 a existência de dois tipos de argüição de descumprimento de preceito fundamental (autônoma e incidental), sendo a modalidade incidental percebida no inciso I do parágrafo único do Art. 1º, LUÍS ROBERTO BARROSO expõe os pressupostos do seu cabimento:
"Seus outros requisitos, que são mais numerosos que os da argüição autônoma, incluem, além da subsidiariedade e da ameaça ou lesão a preceito fundamental, a necessidade de que (i) seja relevante o fundamento da controvérsia constitucional e (ii) se trate de lei ou ato normativo – e não qualquer ato do Poder Público." (BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 220). 2
Pois bem, presentes estão, no caso, os pressupostos acima apontados para o cabimento da argüição "incidental", que passarão a ser demonstrados a seguir.
2.2 RELEVÂNCIA DO FUNDAMENTO DA CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL SOBRE LEI FEDERAL ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO
A sociedade brasileira acompanhou o recente debate público acerca da extensão da Lei nº 6.683/79 ("Lei da Anistia"). É notória a controvérsia constitucional surgida a respeito do âmbito de aplicação desse diploma legal. Trata-se de saber se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entre outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar, que vigorou entre nós antes do restabelecimento do Estado de Direito com a promulgação da vigente Constituição.
A controvérsia pública sobre o âmbito de aplicação da citada lei tem envolvido, notadamente, o Ministério da Justiça e o Ministério da Defesa, o que demonstra, por si só, a relevância política da questão em debate. Tudo aconselha, pois, seja chamado o Poder Judiciário a pôr fim ao debate, dizendo o Direito de forma definitiva.
Confira-se:
"O presidente da Comissão de Anistia (órgão ligado ao Ministério da Justiça), Paulo Abrão, disse nesta sexta-feira à Folha Online ser favorável ao debate sobre a responsabilização dos crimes de tortura ocorridos no período da ditadura militar. Para Abrão, os crimes de tortura não são políticos e, portanto, não prescreveram, como afirmam alguns contrários à discussão.
‘Eu acredito que os crimes de tortura não são políticos, portanto não prescreveram", disse Abrão, ressaltando que sua interpretação é baseada em acordos internacionais e no direito internacional’."
(Folha On Line, 08/08/2008, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u431294.shtml);
"Convidado a vir ao Brasil pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (Sedh), o juiz espanhol Baltasar Garzón, famoso por ter decretado em 1998 a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, defendeu hoje (18) em São Paulo a punição penal para crimes contra a humanidade cometidos durante o período da ditadura brasileira. ‘Quando se trata de crimes contra a humanidade, entendo que não é possível a anistia e que a prescrição também não é possível. Há a primazia do direito penal internacional sobre o direito local sempre quando o país que estamos falando faz parte do sistema internacional de Justiça, como o caso do Brasil1, disse’."
(disponível em http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/08/18/materia.2008-08-18.1734311067/view);
"No dia 31 de julho de 2008 foi realizado o seminário "Limites e possibilidades para a responsabilização jurídica dos agentes violadores de direitos humanos durante estado de 3
exceção no Brasil" sob o patrocínio do Ministro da Justiça Tarso Genro, do Ministro dos Direitos Humanos e de Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia.. A platéia estava repleta de ex-subversivos e terroristas, de familiares de mortos e desaparecidos, além de simpatizantes. A finalidade do debate era discutir a revisão da Lei da Anistia e encontrar uma base legal para a punição dos militares.
Durante o seminário o advogado criminalista e professor de direito da FGV Thiago Bottino do Amaral declarou que não há base legal para punir militares por tortura. Segundo ele, o Direito Penal segue o princípio da anterioridade, isto é, a lei que prevê o delito não pode retroagir. Ele argumentou que não havia lei tipificando esse tipo de crime na época. O advogado lembrou que os crimes já prescreveram. Segundo ele, a Constituição só considera imprescritíveis os crimes de racismo e de grupos armados que atentem contra o Estado." (disponível em http://brasilacimadetudo.lpchat.com/index.php?option=com_content&task=view&id=5023&Itemid=222);
"O ex-presidente do Supremo, o jurista Carlos Velloso, também é contrário a uma revisão da lei. Para ele, este "é um assunto superado". "A Lei de Anistia é peremptória, e estabelece um esquecimento, um perdão para os dois lados. Foi uma pedra colocada sobre o ocorrido. Também houve crimes do lado dos opositores ao regime. Mexer com uma coisa dessas pode gerar uma bola de neve", afirma. O ex-presidente do STF e atual ministro da Defesa Nelson Jobim, e o atual decano do STF, ministro Celso de Mello, corroboram com a opinião de Velloso" (disponível em http://www.jornaldedebates.ig.com.br/debate/lei-anistia-deve-ser-revista);
"Cresce movimento para que a corte se manifeste sobre validade da lei para crimes como tortura e assassinato
A Lei de Anistia, 29 anos depois de sancionada, está a caminho de se transformar em um assunto polêmico do Judiciário. Uma série de movimentos do governo e do Ministério Público mostra que mais cedo ou mais tarde o Supremo Tribunal Federal (STF) terá de dizer se a anistia vale para crimes como tortura e assassinato, cometidos durante o regime militar (1964-1985), ou se beneficia exclusivamente acusados de crimes eminentemente políticos, como fechamento do Congresso, censura a jornais por ordem do governo e cassação de parlamentares.
"Eu tenho dito que em algum momento o Supremo terá de ser provocado e acho que este momento está chegando. É o momento para saber se a lei de 1979 anistia os torturadores, os estupradores, os assassinatos e os responsáveis por desaparecimentos ou não", afirmou ao Estado o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos.
A declaração de Vannuchi não é voz isolada no governo. O ministro da Justiça, Tarso Genro, já referendou, em discurso, a opinião de que a lei precisa ser revista ou avaliada pelo Judiciário. "Se um agente público invade uma residência na ditadura cumprindo ordem legal, isso é um crime político de um Estado de fato vigente naquele momento. Agora, se esse mesmo agente público prende uma pessoa e a leva para um porão e a tortura, esse crime não é um crime político porque nem a legalidade da ditadura permitia tortura. Mas isso teria que ser uma interpretação do Poder Judiciário", disse Tarso na semana passada." (disponível em http://www.fessergs.com.br/noticias.php?id=245);
"Em primeiro lugar, pondere-se que a anistia é oblívio, esquecimento. Juridicamente ela provoca, na verdade, a criação de uma ficção legal: não apaga propriamente a infração, mas o direito de punir, razão pela qual aparece depois de ter surgido o fato criminoso, não se confundindo com uma novação legislativa, isto é, não transforma o crime em ato lícito. 4
Ou seja, anistiar os torturadores que agiram dentro de um quadro político a ele obviamente conexo não significa violar a Constituição nem os tratados internacionais que proscrevem a tortura como um crime contra a humanidade.
Afinal, no direito moderno, a anistia não é medida voltada para uma determinada prática nem significa o seu reconhecimento como legítimo, mas é ato soberano que não pede nenhuma justificação condicional à autoridade que a concede, porque não visa a outro interesse senão o interesse soberano da própria sociedade.
Nesse sentido, não está submetida a ponderações entre a dignidade ofendida do torturado e o ato degradante do torturador. Em segundo lugar, excluir o torturador da anistia referente àqueles que cometeram crimes conexos sob o argumento de que se trata de crime contra a humanidade e, portanto, imprescritível provoca um efeito que há de desnaturar o caráter geral e irrestrito da lei, conforme lhe reconheceu o STM (Superior Tribunal Militar).
Como o parágrafo 2º do artigo 1º da lei 6.683/79 exclui expressamente dos benefícios da anistia os que haviam praticado crimes de terrorismo, por exemplo, mediante seqüestro, a jurisprudência do STM, diante de um flagrante tratamento desproporcional, estendeu o benefício: a anistia tornou-se geral e irrestrita.
Ora, uma reinterpretação da lei, sobretudo com o fito de punir militares por atos de tortura, reverterá o argumento jurisprudencial, pois irá solapar a extensão da anistia aos terroristas, fazendo com que todo o universo de avaliações mutuamente negativas (exclusão/inclusão de terrorista/torturador) tenha de ser rediscutido.
Ou seja, em nome da mesma proporcionalidade, haverá de lembrar-se que tratados internacionais consideram, por exemplo, também o seqüestro motivado por razões políticas um crime contra a humanidade, igualmente imprescritível. Com isso, voltaria a necessidade de avaliações de práticas criminosas e suas conseqüências de ambos os lados, prejudicando o correto entendimento de uma anistia geral e irrestrita.
Ou seja, de parte a parte, numa reinterpretação da lei, o caráter criminoso dos respectivos atos (tortura/ seqüestro) terá de ser retomado, pois é com base nos mesmos argumentos que o direito de punir (anistia) seria ou não afastado.
Isto é, numa reinterpretação da lei que exclua da anistia a prática da tortura, o argumento de justiça, invocado pelo STM em favor dos que, movidos por razões políticas, tenham praticado atos de terror (seqüestro), acabaria por ser, inevitavelmente, utilizado em favor dos torturadores.
Se da Lei da Anistia devessem estar excluídos os torturadores, por proporcionalidade, excluídos também estariam os seqüestradores. Interpretação que, em suma, violaria o sentido já reconhecido da lei de conceder uma anistia geral e irrestrita." (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, disponível em http://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&task=view&id=1310&Itemid=34).
O quadro acima apresentado - apenas exemplificativamente, dada a sua notoriedade - revela a existência de séria controvérsia constitucional sobre lei federal anterior à Constituição, que é uma das hipóteses de cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental (Art. 1º, parágrafo único, inciso I da Lei nº 9.882/99).
Caso se admita, como parece pacífico, que a Lei nº 6.683/79 foi recepcionada pela nova ordem constitucional, é imperioso interpretá-la e aplicá-la à luz dos preceitos e princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal. 5
Essa Suprema Corte já teve a oportunidade de apreciar Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental a fim de restabelecer, em harmonia com a Constituição, interpretações infundadas de atos públicos normativos. Ainda recentemente (06/08/2008), esse Egrégio Tribunal conheceu da ADPF nº 144, por meio da qual a Associação dos Magistrados do Brasil questionou interpretações, inclusive Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral.
Nesse sentido, LUÍS ROBERTO BARROSO:
"Embora a motivação imediata de quaisquer dos legitimados possa ser a eventual tutela de uma situação específica – agindo, portanto, como substituto processual do verdadeiro interessado – deverá ele demonstrar ser relevante a controvérsia constitucional em discussão. Será relevante a controvérsia quando seu deslinde tiver repercussão geral, que transcenda ao interesse das partes em litígio, seja pela existência de um número expressivo de processos análogos, seja pela gravidade ou fundamentalidade da tese em discussão, por seu alcance político, econômico, social ou ético. Por vezes, a reparação imediata de uma injustiça individual tem uma valia simbólica decisiva para impedir novas violações. Seja como for, na argüição incidental, mesmo que estejam em jogo direitos subjetivos, haverá de estar envolvida uma situação que afete o ordenamento constitucional de maneira objetiva" (grifou-se) (BARROSO, op. cit., p. 229).
Como bem se percebe, trata-se de típica situação da cabimento da ADPF como instrumento hábil para a definição rápida e com eficácia geral acerca de norma infraconstitucional, cuja interpretação corrente, nos pretórios ou fora deles, ofende frontalmente diversos preceitos fundamentais da Constituição.
É a forma de ressaltar, mais uma vez, o caráter objetivo da atuação dessa Corte, no exercício de sua função precípua de guardiã da Constituição e, em decorrência, guardiã dos princípios ético-jurídicos que devem nortear a sociedade brasileira.
2.3 ATO DO PODER PÚBLICO – LEI OU ATO NORMATIVO – O CONTROLE ABSTRATO
Na argüição "incidental", objeto da demanda é uma lei ou ato normativo. Não há qualquer dificuldade nesse ponto, eis que a presente ADPF tem como fulcro a interpretação do disposto no § 1º do Art. 1º da Lei nº 6.683/1979.
Na verdade, o remédio judicial trazido pela Constituição Federal de 1988 e afinal regulamentado pela Lei nº 9.882/99, assemelha-se à Verfassungsbeschwerde regulada no art. 93, 2 da Lei Fundamental alemã. Como salienta a doutrina germânica, trata-se de uma demanda que visa ao controle abstrato de constitucionalidade de uma norma do direito federal ou estadual (KLAUS SCHLAICH, Das Bundesverfassungsgericht, 3ª ed., Munique, Verlag C.H.Beck, nº 122). 6
2.4 LESÃO A PRECEITO FUNDAMENTAL
A interpretação, segundo a qual a norma questionada concedeu anistia a vários agentes públicos responsáveis, entre outras violências, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, tortura e abusos sexuais contra opositores políticos viola frontalmente diversos preceitos fundamentais da Constituição, conforme será demonstrado abaixo.
2.5 SUBSIDIARIEDADE
Dispõe o § 1º do Art. 4º da Lei nº 9.882/99:
§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
Desse dispositivo, os doutrinadores e a jurisprudência dessa Corte extraem a subsidiariedade como requisito de cabimento da ADPF. Em outras palavras, só será cabível a interposição de ADPF quando inexistir, no ordenamento jurídico, qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade a preceitos fundamentais da Constituição.
A jurisprudência mais recente dessa Corte Suprema interpreta a exigência de subsidiariedade da demanda prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal, pela inexistência de qualquer outro meio de controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade, já ajuizado com referência ao objeto da ADPF. Do contrário, restaria sepultado o instituto, eis que dificilmente se encontraria uma situação de inexistência, em tese, de meios aptos a restabelecer a ordem constitucional, concreta ou potencialmente violada (a exemplo de mandado de segurança, habeas corpus, ação popular, ação civil pública, ações judiciais e diversos recursos, cautelares, antecipação de tutela).
Observe-se:
"O diploma legislativo em questão — tal como tem sido reconhecido por esta Suprema Corte (RTJ 189/395-397, v.g.) — consagra o princípio da subsidiariedade, que rege a instauração do processo objetivo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, condicionando o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional à ausência de qualquer outro meio processual apto a sanar, de modo eficaz, a situação de lesividade indicada pelo autor: (...) O exame do precedente que venho de referir (RTJ 184/373-374, Rel. Min. Celso de Mello) revela que o princípio da subsidiariedade não pode — nem deve — ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental, eis que esse instrumento está vocacionado a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República. (...) Daí a prudência com que o Supremo Tribunal Federal deve interpretar a regra 7
inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.882/99, em ordem a permitir que a utilização dessa nova ação constitucional possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do Poder Público. Não é por outra razão que esta Suprema Corte vem entendendo que a invocação do princípio da subsidiariedade, para não conflitar com o caráter objetivo de que se reveste a argüição de descumprimento de preceito fundamental, supõe a impossibilidade de utilização, em cada caso, dos demais instrumentos de controle normativo abstrato: (...) A pretensão ora deduzida nesta sede processual, que tem por objeto normas legais de caráter pré-constitucional, exatamente por se revelar insuscetível de conhecimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade (RTJ 145/339, Rel. Min. Celso de Mello — RTJ 169/763, Rel. Min. Paulo Brossard — ADI 129/SP, Rel. p/ o acórdão Min. Celso de Mello, v.g.), não encontra obstáculo na regra inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.882/99, o que permite — satisfeita a exigência imposta pelo postulado da subsidiariedade — a instauração deste processo objetivo de controle normativo concentrado. Reconheço admissível, pois, sob a perspectiva do postulado da subsidiariedade, a utilização do instrumento processual da argüição de descumprimento de preceito fundamental." (ADPF 126-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 19-12-07, DJE de 1º-2-08)
"O desenvolvimento do princípio da subsidiariedade, ou da idéia da inexistência de outro meio eficaz, dependerá da interpretação que o STF venha a dar à lei. (...) À primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer outro meio eficaz para afastar a eventual lesão poder-se-ia manejar, de forma útil, a argüição de descumprimento de preceito fundamental. É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão (recurso constitucional) e no direito espanhol (recurso de amparo), acabaria por retirar desse instituto qualquer significado prático. De uma perspectiva estritamente subjetiva, a ação somente poderia ser proposta se já se tivesse verificado a exaustão de todos os meios eficazes de afastar a lesão no âmbito judicial. Uma leitura mais cuidadosa há de revelar, porém, que na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental nesse processo deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva. Em outros termos, o princípio da subsidiariedade - inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão -, contido no § 1º do art. 4º da Lei n. 9.882/1999, há de ser compreendido no contexto da ordem constitucional global. Nesse sentido, caso se considere o caráter enfaticamente objetivo do instituto (o que resulta, inclusive, da legitimação ativa), meio eficaz de sanar a lesão parece ser aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata. (...) Nesse cenário, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da argüição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional. Destarte, assumida a plausibilidade da alegada violação ao preceito constitucional, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, não será admissível a argüição de descumprimento. Em sentido contrário, em princípio, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade - isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata -, há de se entender possível a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental. (...) Não se pode admitir que a existência de processos ordinários e recursos extraordinários deva excluir, a priori, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental. Até porque o instituto assume, entre nós, feição marcadamente objetiva. Nessas hipóteses, ante a inexistência de processo de índole objetiva, apto a solver, de uma vez por todas, a 8
controvérsia constitucional, afigurar-se-ia integralmente aplicável a argüição de descumprimento de preceito fundamental. É que as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem, as mais das vezes, capazes de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata. A necessidade de interposição de um sem número de recursos extraordinários idênticos poderá, em verdade, constituir-se em ameaça ao livre funcionamento do STF e das próprias Cortes ordinárias. (...) Desse modo, é possível concluir que a simples existência de ações ou de outros recursos processuais - vias processuais ordinárias - não poderá servir de óbice à formulação da argüição de descumprimento. Ao contrário, tal como explicitado, a multiplicação de processos e decisões sobre um dado tema constitucional reclama, as mais das vezes, a utilização de um instrumento de feição concentrada, que permita a solução definitiva e abrangente da controvérsia. (...) Como o instituto da ADPF assume feição eminentemente objetiva, o juízo de relevância deve ser interpretado como requisito implícito de admissibilidade do pedido. Seria possível admitir, em tese, a propositura de ADPF diretamente contra ato do Poder Público, nas hipóteses em que, em razão da relevância da matéria, a adoção da via ordinária acarrete danos de difícil reparação à ordem jurídica. O caso em apreço, contudo, revela que as medidas ordinárias à disposição da ora requerente - e, não utilizadas - poderiam ter plena eficácia. Ressalte-se que a fórmula da relevância do interesse público, para justificar a admissão da argüição de descumprimento (explícita no modelo alemão), está implícita no sistema criado pelo legislador brasileiro. No presente caso, afigura-se de solar evidência a falta de relevância jurídica para a instauração da ADPF. Assim, tendo em vista a existência, pelo menos em tese, de outras medidas processuais cabíveis e efetivas para questionar os atos em apreço, entendo que o conhecimento do presente pedido de ADPF não é compatível com uma interpretação adequada do princípio da subsidiariedade. (...) Conseqüentemente, nego seguimento ao presente pedido de argüição de descumprimento de preceito fundamental por entender que a postulação é manifestamente incabível, nos termos e do art. 21, § 1º do RISTF. Por conseguinte, declaro o prejuízo do pedido de medida liminar postulado." (grifou-se) (ADPF 76, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 13-2-06, DJ de 20-2-06).
É o que ocorre no presente caso. Ainda não se questionou, perante o Poder Judiciário, a compatibilidade com os preceitos fundamentais da Constituição Federal da interpretação da Lei nº 6.683/1979, no sentido de que a anistia estende-se aos crimes comuns, praticados por agentes públicos contra opositores políticos, durante o regime militar.
Como é sabido, já se firmou na jurisprudência dessa Corte o entendimento de que não cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei anterior à Constituição. E os outros meios de controle objetivo de constitucionalidade não são aptos a pôr fim à controvérsia constitucional acima apontada, porque: a) destinados a pleitear a constitucionalidade de lei ou ato normativo (ação declaratória de constitucionalidade), quando o que se pretende aqui é justamente o contrário; b) destinados à materialização de intervenção federal ou estadual (representação interventiva), o que não é o caso.
3. INÉPCIA JURÍDICA DA INTERPRETAÇÃO QUESTIONADA DA LEI nº 6.683/19799
O Art. 1º da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, declara que "é concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes".
O § 1º desse mesmo artigo esclarece: "Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política".
É sabido que esse último dispositivo legal foi redigido intencionalmente de forma obscura, a fim de incluir sub-repticiamente, no âmbito da anistia criminal, os agentes públicos que comandaram e executaram crimes comuns contra opositores políticos ao regime militar. Em toda a nossa história, foi esta a primeira vez que se procurou fazer essa extensão da anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado, encarregados da repressão. Por isso mesmo, ao invés de se declararem anistiados os autores de crimes políticos e crimes comuns a ele conexos, como fez a lei de anistia promulgada pelo ditador Getúlio Vargas em 18 de abril de 1945, redigiu-se uma norma propositalmente obscura. E não só obscura, mas tecnicamente inepta.
Se não, vejamos.
É de geral conhecimento que a conexão criminal implica uma identidade ou comunhão de propósitos ou objetivos, nos vários crimes praticados. Em conseqüência, quando o agente é um só a lei reconhece a ocorrência de concurso material ou formal de crimes (Código Penal, artigos 69 e 70). É possível, no entanto, que os agentes sejam vários. Nessa hipótese, tendo em vista a comunhão de propósitos ou objetivos, há co-autoria (Código Penal, art. 29).
É bem verdade que, no Código de Processo Penal (art. 76, I in fine), reconhece-se também a conexão criminal, quando os atentes criminosos atuaram uns contra os outros. Trata-se, porém, de simples regra de unificação de competência, de modo a evitar julgamentos contraditórios. Não é norma de direito material.
Pois bem, sob qualquer ângulo que se examine a questão objeto da presente demanda, é irrefutável que não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo. A conexão só pode ser reconhecida, nas hipóteses de crimes políticos e crimes comuns perpetrados pela mesma pessoa (concurso material ou formal), ou por várias pessoas em co-autoria. No caso, portanto, a anistia somente abrange os autores de crimes políticos ou contra a segurança nacional e, eventualmente, de crimes comuns a eles ligados pela comunhão de objetivos.
É fora de qualquer dúvida que os agentes policiais e militares da repressão política, durante o regime castrense, não cometeram crimes políticos. 10
No período abrangido pela anistia concedida por meio da Lei nº 6.683/1979, vigoraram sucessivamente três diplomas legais, definidores de crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social: o Decreto-Lei nº 314, de 13/03/1967; o Decreto-Lei nº 898, de 29/09/1969 e, finalmente, a Lei nº 6.620, de 17/12/1978.
Escusado dizer que os agentes públicos, que mataram, torturam e violentaram sexualmente opositores políticos, entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, não praticaram nenhum dos crimes definidos nesses diplomas legais, pela boa razão de que não atentaram contra a ordem política e a segurança nacional. Bem ao contrário, sob pretexto de defender o regime político instaurado pelo golpe militar de 1964, praticaram crimes comuns contra aqueles que, supostamente, punham em perigo a ordem política e a segurança do Estado.
Ou seja, não houve comunhão de propósitos e objetivos entre os agentes criminosos, de um e de outro lado.
Tampouco se pode dizer que houve conexão criminal pela prática de crimes "por várias pessoas, umas contra as outras". Em primeiro lugar, porque essa regra de conexão é exclusivamente processual. Em segundo lugar, porque os acusados de crimes políticos não agiram contra os que os torturaram e mataram, dentro e fora das prisões do regime militar, mas contra a ordem política vigente no País naquele período.
Em conseqüência, a norma constante do art. 1º, § 1º da Lei nº 6.683, de 1979, tem por objeto, exclusivamente, os crimes comuns, cometidos pelos mesmos autores dos crimes políticos. Ela não abrange os agentes públicos que praticaram, durante o regime militar, crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não.
Na verdade, ainda que se admita estapafurdiamente essa conexão criminal, ela não é válida, porque ofende vários preceitos fundamentais inscritos na Constituição Federal, como se passa a demonstrar.
4. PRECEITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS PELA INTERPRETAÇÃO QUESTIONADA DA LEI Nº 6.683/1979
4.1 ISONOMIA EM MATÉRIA DE SEGURANÇA
A Constituição da República Federativa do Brasil declara, logo na abertura do Título consagrado aos Direitos e Garantias Fundamentais, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (Art. 5º, caput). 11
Uma das aplicações históricas mais tradicionais do princípio da isonomia, em matéria de segurança, é o preceito fundamental nullum crimen sine lege, inscrito no inciso XXXIX do Art. 5º da Constituição. A partir do "século das luzes", com efeito, a consciência ética universal passou a considerar particularmente odiosa a discriminação pessoal em matéria de crimes e penas. As pessoas não podem ser diversamente apenadas, em razão de diferenças de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, IV). Qualquer que seja a condição ou o status pessoal do agente, ele é julgado pela prática de delitos definidos em lei, de modo geral e impessoal.
Ora, a anistia sobrevém como o exato oposto da definição criminal. Diversamente da graça e do indulto, ela não apenas extingue a punibilidade – como declara imperfeitamente o art. 107, II do Código Penal – mas descriminaliza a conduta criminosa. A lei dispõe, retroativamente, que certos e determinados crimes deixam de ser considerados como tais. Daí por que, ao contrário da graça e do indulto, a anistia não se refere a pessoas, mas a crimes objetivamente definidos em lei.
No caso da Lei nº 6.683, todavia, isso não ocorre. O diploma legal, seguindo a longa tradição histórica, declara objeto de anistia os crimes políticos. Mas não só. A lei estende a anistia a classes absolutamente indefinidas de crimes: "crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos".
Que significa o adjetivo "relacionados"? A lei não esclarece e a doutrina ignora. Logo, incumbe ao Poder Judiciário decidir, ou seja, definir ou classificar os crimes em lugar do legislador. Pode haver mais afrontoso descumprimento do preceito fundamental de que "não há crime sem LEI anterior que o defina"?
E o despropósito não se limita a isso, escandalosamente. Além dos "crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos", a Lei nº 6.683 ainda acrescenta: "ou praticados por motivação política".
Ora, a motivação do agente, escusa dizê-lo, é um fenômeno de consciência individual. Em país algum, em momento algum da História, em nenhuma das anteriores leis brasileiras sobre anistia, houve descriminalização de delitos que só podem ser reconhecidos como tais no caso concreto e com referência a pessoa determinada. Ou seja, quem anistia, nessa hipótese legal indefinida, é o próprio juiz. O Código Penal (art. 59), como não poderia deixar de ser, atribui ao juiz a perquirição dos "motivos" do crime. Mas somente no momento da fixação da pena, ou seja, após o reconhecimento da prática de um ato criminoso, segundo o tipo legal.
Em suma, a admitir-se a interpretação questionada da Lei nº 6.683, de 1979, nem todos são iguais perante a lei em matéria de anistia criminal. Há os que praticaram crimes políticos, necessariamente definidos em lei, e foram processados e condenados. Mas há, também, os que cometeram 12
delitos, cuja classificação e reconhecimento não foram feitos pelo legislador, e sim deixados à discrição do Poder Judiciário, conforme a orientação política de cada magistrado. Esses últimos criminosos não foram jamais condenados nem processados. Elas já contavam com a imunidade penal durante todo o regime de exceção. O que se quer, agora, é perpetuar essa imunidade, sem que se saiba ao certo quem são os beneficiados.
Mas o desconchavo não se limita a isso. A lei nº 6.683 excetua da anistia "os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal" (art. 1º, § 2º).
Ressalte-se, em primeiro lugar, que até hoje desconhece-se o que seja o crime de "terrorismo". Mas supondo-se que ele designe, de modo geral, a prática de violência generalizada, é de se perguntar: Por acaso, a prática sistemática e organizada, durante anos a fio, de homicídios, seqüestros, tortura e estupro contra opositores políticos não configura um terrorismo de Estado?
Digamos, no entanto, que essa exceção legal só se aplica àqueles que cometeram crimes políticos, não aos agentes da repressão. Nesse caso, é flagrante a desigualdade perante a lei em matéria de segurança. Pois, de um lado, temos delitos de opinião, excluídos os crimes de violência, enquanto de outro lado, beneficiando-se da mesma anistia, tornam-se impuníveis os crimes violentos contra a vida, a liberdade e a integridade pessoal. Pode-se configurar mais aberrante desigualdade?
Com isto, entramos na análise de mais um descumprimento de preceito fundamental.
4.2 DESCUMPRIMENTO, PELO PODER PÚBLICO, DO PRECEITO FUNDAMENTAL DE NÃO OCULTAR A VERDADE
"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará"
Evangelho de Jesus Cristo segundo João 8, 12
A Constituição da República declara, enfaticamente, que "todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral" (art. 5º, XXXIII).
O preceito representa clara aplicação do princípio democrático, segundo o qual "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente" (art. 1º, parágrafo único); bem como do princípio republicano, segundo o qual são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e "promover o bem de todos" (art. 3º, I e IV). 13
Escusa lembrar que, sendo os governantes meros servidores do povo e não donos do poder, seria intolerável que eles pudessem, impunemente, sobretudo em matéria de crimes já cometidos, ocultar a verdade perante o soberano, que lhes delegou poderes de governo. Despiciendo, também, frisar que se o objetivo maior da organização estatal é de manter o bem comum do povo (res publica) acima de qualquer interesse pessoal ou grupal, sobretudo dos que exercem funções públicas, é inadmissível que os órgãos estatais sejam autorizados a ocultar, coram populo, a identidade dos agentes públicos que praticaram crimes contra os governados.
A única exceção que se abre a esse mandamento fundamental é a necessidade de se preservar a "segurança da sociedade e do Estado" (mesmo inciso XXXIII do art. 5º, in fine). Mas, a rigor, não se trata de uma exceção ao princípio republicano, e sim do reconhecimento, também aí, da supremacia do bem comum sobre os interesses particulares.
Ora, seria um escárnio sustentar, na vigência do Estado de Direito instituído pela Constituição de 1988, que os responsáveis por atos de repressão criminosa de opositores políticos agiram para preservar a segurança da sociedade e do Estado.
No entanto, todos os governos militares anteriores à reconstitucionalização do País timbraram em manter o sigilo sobre ordens, ações e comportamentos de agentes públicos, que atuaram fora da lei e que, muita vez, violentaram criminosamente a pessoa de opositores, reais ou presumidos, do regime de exceção então vigente.
A Lei nº 6.683, promulgada pelo último governo militar, inseriu-se nesse contexto de lôbrega ocultação da verdade. Ao conceder anistia a pessoas indeterminadas, ocultas sob a expressão indefinida "crimes conexos com crimes políticos", como acabamos de ver, ela impediu que as vítimas de torturas, praticadas nas masmorras policiais ou militares, ou os familiares de pessoas assassinadas por agentes das forças policiais e militares, pudessem identificar os algozes, os quais, em regra, operavam nas prisões sob codinomes.
Enfim, a lei assim interpretada impediu que o povo brasileiro, restabelecido em sua soberania (pelo menos nominal) com a Constituição de 1988, tomasse conhecimento da identidade dos responsáveis pelos horrores perpetrados, durante dois decênios, pelos que haviam empalmado o poder.
Ora, entre a Justiça e a Verdade não há separação concebível.
4.3 DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICO E REPUBLICANO
A Constituição Federal abre-se com a declaração solene de que "a República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito". 14
Como se acaba de lembrar, o cerne do regime democrático é a soberania popular, pois do povo emanam todos os poderes, cujo exercício (apenas o exercício) pode ser feito por seus representantes eleitos. Lembramos, também, que república é o regime em que o bem comum do povo está sempre acima de qualquer interesse particular.
Pois bem, os que cometeram crimes comuns contra opositores políticos, durante o regime militar, exerciam funções públicas e eram, por conseguinte, remunerados com recursos também públicos, isto é, dinheiro do povo.
Nessas condições, a interpretação questionada da Lei nº 6.683 representa clara e direta ofensa ao princípio democrático e ao princípio republicano, que embasam toda a nossa organização política.
Ressalte-se, em primeiro lugar, que a citada lei foi votada pelo Congresso Nacional, na época em que os seus membros eram eleitos sob o placet dos comandantes militares. Sua carência de legitimidade democrática é acentuada quando se recorda que, por força da Emenda "Constitucional" nº 08, de 14 de abril de 1977, que ficou conhecida como "Pacote de Abril", 1/3 dos Senadores passaram a ser escolhidos por via de eleição indireta ("Senadores biônicos"), tendo participado do processo legislativo do qual redundou a aprovação congressual, em 1979, da lei em referência.1
Ela foi sancionada por um Chefe de Estado que era General do Exército e fora guindado a essa posição, não pelo povo, mas pelos seus companheiros de farda.
Em conseqüência, o mencionado diploma legal, para produzir o efeito de anistia de agentes públicos que cometeram crimes contra o povo, deveria ser legitimado, após a entrada em vigor da atual Constituição, pelo órgão legislativo oriundo de eleições livres, ou então diretamente pelo povo soberano, mediante referendo (Constituição Federal, art. 14). O que não ocorreu.
Assinale-se, em segundo lugar, que num regime autenticamente republicano e não autocrático os governantes não têm poder para anistiar criminalmente, quer eles próprios, quer os funcionários que, ao delinqüirem, executaram suas ordens. Tal seria, obviamente, agir não a serviço do bem comum do povo, mas em seu próprio interesse e benefício.
1 Só uma leva de senadores foi indicada dessa forma, pois a EC n. 15, de 19 de novembro de 1980, restabeleceu o voto popular direto. Os senadores indicados indiretamente, por colégio eleitoral, só cumpriram um mandato de oito anos, a partir da renovação que se deu em 1977. Nesse período, um em cada três senadores não tinha nenhuma legitimidade democrática. 15
* Caso Loayza Tamayo v. Peru, sentença de 27 de novembro de 1998, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/votos/vsc_cancadoabreu_42-esp.doc; Caso Barrios Altos v. Peru, Fondo, sentença de 14 de março de 2001, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Serie_75_esp.doc; Caso Barrios Altos, Interpretación de la Sentença de Fondo (art. 67 Convención Americana sobre Derechos Humanos, sentença de 3 de setembro de 2001, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/Seriec_124_esp.doc; Caso de la Comunidad Moiwana, sentença de 15 de setembro de 2005, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_124_esp.doc; Caso Almonacid Areliano y otros v. Chile. Excepciones Preliminares. Fondo. Reparaciones y Costas, sentença de 26 de setembro de 2006, disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_154_esp.doc
Vale registrar que a Corte Americana de Direitos Humanos, cuja jurisdição foi reconhecida pelo Brasil no Decreto Legislativo nº 89, de dezembro de 1998, já decidiu, em pelo menos 5 (cinco) casos,* que é nula e de nenhum efeito a auto-anistia criminal decretada por governantes.
A Constituição Federal dispõe que o Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, entre outros, pelo princípio da "prevalência dos direitos humanos" (art. 4º, II). Porventura temos o direito de exigir de outros países o respeito aos direitos humanos, quando nos recusamos a respeitá-los em nosso próprio território?
4.4 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO POVO BRASILEIRO NÃO PODE SER NEGOCIADA
O derradeiro argumento dos que justificam, a todo custo, a encoberta inclusão na Lei nº 6.683 dos crimes cometidos por funcionários do Estado contra presos políticos é o de que houve, no caso, um acordo para permitir a transição do regime militar ao Estado de Direito.
A primeira indagação que não pode deixar de ser feita, a esse respeito, é bem esta: Quem foram as partes nesse alegado acordo?
Uma resposta imediata pode ser dada a essa pergunta. As vítimas sobreviventes ou os familiares dos mortos não participaram do acordo. A maior parte deles, aliás, nunca soube a identidade dos assassinos e torturadores, e bom número dos familiares dos mortos ignora onde estão os seus cadáveres.
O acordo foi, então, negociado por quem? Os parlamentares? Mas eles não tinham, como nunca tiveram, procuração das vítimas para tanto, nem consultaram o povo brasileiro para saber se 16
aprovava ou não o acordo negociado, que dizia respeito à abertura do regime militar, em troca da impunidade dos funcionários do Estado que atuaram na repressão política.
E a outra parte, quem seria? Os militares aboletados no comando do País? Ora, até hoje a corporação militar não confirma o acordo, pela excelente razão de que ela nunca admitiu o cometimento de crimes pelos seus agentes da repressão.
Admitamos, porém, como mero exercício de argumentação, que tal acordo existiu e que dele extraímos o benefício da reconstitucionalização do País.
Se assim foi, força é reconhecer que o Estado instituído com a liquidação do regime militar nasceu em condições de grave desrespeito à pessoa humana, contrariamente ao texto expresso da nova Constituição Federal: "A República Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] a dignidade da pessoa humana". (art. 1º, III).
Kant afirmou, no século XVIII, que a pessoa humana não pode servir de meio para a obtenção de qualquer finalidade; pois ela é um fim em si mesma. Portanto, tem dignidade, não um preço. Hoje, o sistema universal de direitos humanos declara inadmissível e reprovável usar a dignidade das pessoas e dos povos como moeda de troca em um acordo político.
Na verdade crua dos fatos, em 1979 quase todos os que se haviam revoltado contra o regime militar com armas na mão já haviam sido mortos. Restavam, portanto, nas prisões militares e policiais, unicamente pessoas acusadas de delitos de opinião. Tal significa que, no suposto acordo político, jamais revelado à opinião pública, a anistia aos responsáveis por delitos de opinião serviu de biombo para encobrir a concessão de impunidade aos criminosos oficiais, que agiam em nome do Estado, ou seja, por conta de todo o povo brasileiro.
E há mais. A Constituição promulgada em 1988, seguindo na esteira do sistema internacional de direitos humanos, considerou inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a prática de tortura (art. 5º, XLIII). É ridículo argumentar que, quando editada a Lei nº 6.683, a tortura não era definida como crime no Brasil. Não se trata absolutamente disso. Trata-se de assinalar a incompatibilidade ético-jurídica radical da tortura com o princípio supremo de respeito à dignidade humana, fundamento de todo o sistema universal de direitos humanos e do sistema constitucional brasileiro instaurado em 1988.
A Assembléia Geral das Nações Unidas, após a revelação dos crimes cometidos pelos regimes totalitários, vencidos na Segunda Guerra Mundial, fixou na Declaração Universal dos Direitos Humanos o supremo mandamento de que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei (Artigo VI). Como direta conseqüência, o Artigo V da mesma Declaração estatui que "ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante". 17
A mesma Assembléia Geral das Nações Unidas julgou tão importante e fundamental essa declaração, que a desenvolveu na Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984, aprovada e ratificada em nosso País.
Se a tortura é, assim, universalmente qualificada como prática aviltante, que não dispensa punição, é inadmissível dar à Lei nº 6.683 a interpretação ora questionada, pois ela implicaria, fatalmente, a não-recepção desse diploma legal pela nova Constituição.
Dir-se-á que as vítimas sobreviventes do regime militar já obtiveram ressarcimento dos gravames sofridos, por força da anistia decretada pelo art. 8º do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988, regulamentado pela Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002. E quanto aos familiares dos mortos e desaparecidos, eles obtiveram igual satisfação reparatória, graças à Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995.
Ora, em primeiro lugar, assinale-se o desconchavo de se declararem anistiadas as vítimas da repressão política, como se elas fossem culpadas pelas violências que sofreram! Mas, sobretudo, deve-se frisar, com todas as forças, que atos de violação da dignidade humana não se legitimam com uma reparação pecuniária concedida às vítimas, ficando os responsáveis pela prática de tais atos, bem como os que os comandaram, imunes a toda punição e até mesmo encobertos pelo anonimato.
Em suma, Egrégio Tribunal, o que se pede e espera com a presente demanda, em última análise, é que a Justiça Brasileira confirme definitivamente, perante a História, a dignidade transcendental e, portanto, inegociável da pessoa humana, fundamento de toda a nossa ordem constitucional (Constituição Federal, art. 1º, III).
5. DO PEDIDO
Pelo exposto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil pede:
a) a notificação do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, para que emita o seu parecer, nos termos do art. 103, § 1º da Constituição Federal;
b) a procedência do pedido de mérito, para que esse Colendo Tribunal dê à Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, uma interpretação conforme à Constituição, de modo a declarar, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar (1964/1985).
Deixa-se de atribuir valor à causa, diante da impossibilidade de aferi-lo.
Nesses termos, pede deferimento. 18
Brasília/DF, de de 2008.
Fábio Konder Comparato
OAB/SP nº 11118
Maurício Gentil Monteiro
OAB/SE nº 2.435

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A CRÔNICA DE UM CRIME ANUNCIADO

A CRÔNICA DE UM CRIME ANUNCIADO



Processo Número1863657-4/2008
Autor: Ministério Público Estadual
Réu: B.S.S



B.S.S é surdo e mudo, tem 21 anos e é conhecido em Coité como “Mudinho.”
Quando criança, entrava nas casas alheias para merendar, jogar vídeo-game, para trocar de roupa, para trocar de tênis e, depois de algum tempo, também para levar algum dinheiro ou objeto. Conseguia abrir facilmente qualquer porta, janela, grade, fechadura ou cadeado. Domou os cães mais ferozes, tornando-se amigo deles. Abria também a porta de carros e dormia candidamente em seus bancos. Era motivo de admiração, espanto e medo!
O Ministério Público ofereceu dezenas de Representações contra o então adolescente B.S.S. pela prática de “atos infracionais” dos mais diversos. O Promotor de Justiça, Dr. José Vicente, quase o adotou e até o levou para brincar com seus filhos, dando-lhe carinho e afeto, mas não teve condições de cuidar do “Mudinho.”
O Judiciário o encaminhou para todos os órgãos e instituições possíveis, ameaçou prender Diretoras de Escolas que não o aceitava, mas também não teve condições de cuidar do “Mudinho.”
A comunidade não fez nada por ele.
O Município não fez nada por ele.
O Estado Brasileiro não fez nada por ele.

Hoje, B.S.S tem 21 anos, é maior de idade, e pratica crimes contra o patrimônio dos membros de uma comunidade que não cuidou dele.
Foi condenado, na vizinha Comarca de Valente, como “incurso nas sanções do art. 155, caput, por duas vezes, art. 155, § 4º, inciso IV, por duas vezes e no art. 155, § 4º, inciso IV c/c art. 14, inciso II”, a pena de dois anos e quatro meses de reclusão.
Por falta de estabelecimento adequado, cumpria pena em regime aberto nesta cidade de Coité.
Aqui, sem escolaridade, sem profissão, sem apoio da comunidade, sem família presente, sozinho, às três e meia da manhã, entrou em uma marmoraria e foi preso em flagrante. Por que uma marmoraria?
Foi, então, denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime previsto no artigo 155, § 4º, incisos II e IV, c/c o artigo 14, II, do Código Penal, ou seja, crime de furto qualificado, cuja pena é de dois a oito anos de reclusão.
Foi um crime tentado. Não levou nada.
Por intermédio de sua mãe, foi interrogado e disse que “toma remédio controlado e bebeu cachaça oferecida por amigos; que ficou completamente desnorteado e então pulou o muro e entrou no estabelecimento da vítima quando foi surpreendido e preso pela polícia.”
Em alegações finais, a ilustre Promotora de Justiça requereu sua condenação “pela pratica do crime de furto qualificado pela escalada.”
B.S.S. tem péssimos antecedentes e não é mais primário. Sua ficha, contando os casos da adolescência, tem mais de metro.
O que deve fazer um magistrado neste caso? Aplicar a Lei simplesmente? Condenar B.S.S. à pena máxima em regime fechado?
O futuro de B.S.S. estava escrito. Se não fosse morto por um “proprietário” ou pela polícia, seria bandido. Todos sabiam e comentavam isso na cidade.
Hoje, o Ministério Público quer sua prisão e a cidade espera por isso. Ninguém quer o “Mudinho” solto por aí. Deve ser preso. Precisa ser retirado do seio da sociedade. Levado para a lixeira humana que é a penitenciária. Lá é seu lugar. Infelizmente, a Lei é dura, mas é a Lei!
O Juiz, de sua vez, deve ser a “boca da Lei.”
Será? O Juiz não faz parte de sua comunidade? Não pensa? Não é um ser humano?
De outro lado, será que o Direito é somente a Lei? E a Justiça, o que será?
Poderíamos, como já fizeram tantos outros, escrever mais de um livro sobre esses temas.
Nesse momento, no entanto, temos que resolver o caso concreto de B.S.S. O que fazer com ele?
Nenhuma sã consciência pode afirmar que a solução para B.S.S seja a penitenciária. Sendo como ela é, a penitenciária vai oferecer a B.S.S. tudo o que lhe foi negado na vida: escola, acompanhamento especial, afeto e compreensão? Não. Com certeza, não!
É o Juiz entre a cruz e a espada. De um lado, a consciência, a fé cristã, a compreensão do mundo, a utopia da Justiça... Do outro lado, a Lei.

Neste caso, prefiro a Justiça à Lei.

Assim, B.S.S., apesar da Lei, não vou lhe mandar para a Penitenciária.
Também não vou lhe absolver.
Vou lhe mandar prestar um serviço à comunidade.

Vou mandar que você, pessoalmente, em companhia de Oficial de Justiça desse Juízo e de sua mãe, entregue uma cópia dessa decisão, colhendo o “recebido”, a todos os órgãos públicos dessa cidade – Prefeitura, Câmara e Secretarias Municipais; a todas as associações civis dessa cidade – ONGs, clubes, sindicatos, CDL e maçonaria; a todas as Igrejas dessa cidade, de todas as confissões; ao Delegado de Polícia, ao Comandante da Polícia Militar e ao Presidente do Conselho de Segurança; a todos os órgãos de imprensa dessa cidade e a quem mais você quiser.

Aproveite e peça a eles um emprego, uma vaga na escola para adultos e um acompanhamento especial. Depois, apresente ao Juiz a comprovação do cumprimento de sua pena e não roubes mais!

Expeça-se o Alvará de Soltura.



Conceição do Coité- Ba, 07 de agosto de 2008,
ano vinte da Constituição Federal de 1988.



Bel. Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito
www.amab.com.br/gerivaldoneiva
gerivaldo_neiva@yahoo.com.br

sábado, 12 de julho de 2008

Menelick de Carvalho Neto e Cristiano Paixão no Jornal Nacional

Atenção!!! Trata-se de reportagem veiculada no JN do dia 11/06/2008 sobre a questão da efetividade da Constituição. Eis o endereço para acesso: http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL597998-10406,00-OS+DIREITOS+DE+IGUALDADE+DA+CONSTITUICAO.html

quarta-feira, 2 de julho de 2008

MST X MP gaucho


Subject: vejam como pensa a direita no Judiciario Gaucho. Um atentado ainteligencia! !.Publicada no portal TERRA 24 de junho.
Terça, 24 de junho de 2008, 15h11 Atualizada às 16h03
MST é braço de guerrilha, acusa promotor gaúcho
Valter Campanato/Agê ncia Brasil
Guerrilha? De acordo com promotor do Ministério Público gaúcho, Gilberto Thums, MST é "organização criminosa", que não não possui "objetivos da luta pacífica"
Daniel Milazzo
O promotor gaúcho Gilberto Thums, em entrevista a Terra Magazine, classifica o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) como "organização criminosa". Membro do Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Thums foi um dos promotores que aprovaram relatório no final de 2007 pedindo a "dissolução" do movimento.
- Para o Ministério Público, o MST é um braço de guerrilha da Via Campesina - declara.
Thums argumenta que o Ministério Público não é contrário a nenhuma manifestação pacífica, mas considera o MST um "movimento político". O promotor afirma que a organização já passou dos limites da luta pacífica.
- Aqui no Rio Grande do Sul eles escolheram territórios estratégicos para ocupação. Eles não têm personalidade jurídica, e se valem dessa ilegalidade e clandestinidade em que vivem para praticar os atos de vandalismo e destruição (...) Este movimento busca atentar contra o Estado Democrático de Direito, essa é a verdade.
Por fim, Thums desabafa:
- A sociedade brasileira está de saco cheio com este movimento, com esta bandeira. Os objetivos estão esgotados. A técnica de atuação é molestar a população.
Em nota, o MST classificou a decisão do Ministério Público do Rio Grande do Sul como uma "afronta" e "grave violação" dos direitos constitucionais.
"O Ministério Público (...) não se confunde com atitudes facistas de alguns de seus integrantes, que impedem o direito de manifestação e organização e destroem a base do sistema democrático", diz o movimento, em nota assinada pelo advogado Juvelino Strozake.
A seguir, a entrevista com o promotor Gilberto Thums:
Terra Magazine - O relatório do Ministério Público prevê a dissolução do Movimento dos Sem Terra?Gilberto Thums - Uma proposta é essa. Existe um conjunto de ações que estão sendo desencadeadas. Foi constatado através de um levantamento que o Ministério Público fez, de que o objetivo do movimento não é a luta pela conquista da terra. O Ministério Público considera hoje o MST um movimento político. Tanto é verdade que eles não fazem nenhuma questão de querer título de propriedade sobre lotes onde estão os assentamentos. Porque para o MST ninguém pode ser proprietário de terra, pois a terra é de todos. Quem consegue o título de propriedade tem que vender o lote para continuar no movimento.
E quais são os objetivos? Aqui no Rio Grande do Sul eles escolheram territórios estratégicos para ocupação. Um deles, por exemplo, fica em Nova Santa Rita. É um local estratégico. Uma granja que faz divisa com o pólo petroquímico, por onde passa um duto da refinaria (Alberto) Pasqualini e quatro linhas de redes de alta tensão que abastecem dois terços do estado do Rio Grande do Sul. Ali eles também têm acesso ao rio Guaíba. É o melhor lugar que o movimento poderia conseguir para paralisar o Estado. Para o Ministério Público o MST é um braço de guerrilha da Via Campesina. Eles não têm personalidade jurídica e se valem dessa ilegalidade e clandestinidade em que vivem para praticar os atos de vandalismo e destruição. É nítido para qualquer órgão de inteligência no mundo civilizado que tinha um processo de formação de guerrilha. Este movimento busca atentar contra o Estado Democrático de Direito, essa é a verdade.
Em que fase estão as ações do Ministério Público? A ação ainda não foi ajuizada. O primeiro passo foi a remoção de acampamentos. O segundo passo, a inibição de marchas em locais estratégicos. Um próximo passo, que estamos juntando material para isso, é declarar ilegal o movimento. Somos a favor da luta pela terra. Tudo que é movimento pacífico o Ministério Público apóia. Agora, este movimento perdeu o controle, está além dos limites que se aceitam num Estado Democrático de Direito. Em nenhum lugar do mundo esse movimento seria aceito com essa conformação em que está hoje. Eles se empenham hoje em atos de sabotagem contra instituições, contra as estruturas estatais. Isso não é tolerado em nenhum país civilizado do mundo. Nem na Rússia! (...) A ação principal ainda não foi apresentada. Ela está na fase do levantamento de documentos. Como alguns documentos nos estão sendo sonegados pelas autoridades, nós estamos tentando consegui-los por outros meios.
Não há terra improdutiva no estado? Não tem. Há um assentamento de terras que foram dadas pela União e pelo estado do Rio Grande do Sul, e dentro dele existe um acampamento. Isso é um absurdo. Inclusive, é ilegal. Sobrevoando a região se vê umas 100 casinhas que foram construídas, mas não plantaram um pé de alface. Ou seja, eles não tornam a terra produtiva, pelo contrário, eles apenas ocupam o espaço físico e abandonam para manter a ocupação territorial e continuam acampados em outras frentes.
Como haveria de fato a dissolução do movimento, já que o MST possui representatividade nacional? Nós (o Ministério Público estadual) não temos poderes para interferir em outros estados, mas aqui nós vamos iniciar um processo de revés contra eles.
Como? Nós podemos proibir o poder público de negociar com o movimento, pois vamos entendê-los como sendo uma organização criminosa, porque os objetivos não são lutas pacíficas. Qualquer pessoa que faz o que eles fazem estaria na cadeia. Se nós prendemos um ladrãozinho aí que furta um celular nós o metemos por dois anos na cadeia; se eles depredam e fazem tudo o que querem e não acontece nada, então alguma coisa está errada.
O fato de o movimento não possuir um CNPJ dificulta a ação do Ministério Público? Nenhuma ação indenizatória pode ser feita. Toda a ação que envolve desocupações é feita mediante identificação de cada um. Vamos partir para a responsabilizaçã o individual. Isso para efeitos penais, porque para efeitos civis não podemos fazer nada. São um movimento que aproveitam uma máscara de pele de ovelha, mas por trás, na verdade está um leão feroz. Nosso objetivo é mostrar às claras qual é o objetivo desse movimento.
Por outro lado, a defesa do MST diz ter o apoio do governo gaúcho... Eles podem ter até o apoio do presidente da República. Nós estamos lutando pelo império da lei. O Ministério Público não está preocupado com as autoridades que apóiam o movimento. Nós estamos usando a Constituição Federal em defesa do Estado Democrático de Direito. A sociedade brasileira está de saco cheio com este movimento, com esta bandeira. Os objetivos estão esgotados. A técnica de atuação é molestar a população. Tivemos um supermercado depredado. A que título? O que o supermercado tem a ver com a ideologia deles? Nada. Por que não invadem o Palácio do Governo então? Qualquer cidadão que entrar num supermercado e pegar um objeto vai preso. Como é que essa gente pode entrar, depredar, invadir, subtrair e não acontece nada? Isso é uma subversão da ordem pública. As coisas se complicaram muito é pela forma de atuação.
Terra Magazine
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Terça, 24 de junho de 2008, 15h11 Atualizada às 16h03
MST é braço de guerrilha, acusa promotor gaúcho
Valter Campanato/Agê ncia Brasil
Guerrilha? De acordo com promotor do Ministério Público gaúcho, Gilberto Thums, MST é "organização criminosa", que não não possui "objetivos da luta pacífica"
Daniel Milazzo
O promotor gaúcho Gilberto Thums, em entrevista a Terra Magazine, classifica o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) como "organização criminosa". Membro do Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Thums foi um dos promotores que aprovaram relatório no final de 2007 pedindo a "dissolução" do movimento.
- Para o Ministério Público, o MST é um braço de guerrilha da Via Campesina - declara.
Thums argumenta que o Ministério Público não é contrário a nenhuma manifestação pacífica, mas considera o MST um "movimento político". O promotor afirma que a organização já passou dos limites da luta pacífica.
- Aqui no Rio Grande do Sul eles escolheram territórios estratégicos para ocupação. Eles não têm personalidade jurídica, e se valem dessa ilegalidade e clandestinidade em que vivem para praticar os atos de vandalismo e destruição (...) Este movimento busca atentar contra o Estado Democrático de Direito, essa é a verdade.
Por fim, Thums desabafa:
- A sociedade brasileira está de saco cheio com este movimento, com esta bandeira. Os objetivos estão esgotados. A técnica de atuação é molestar a população.
Em nota, o MST classificou a decisão do Ministério Público do Rio Grande do Sul como uma "afronta" e "grave violação" dos direitos constitucionais.
"O Ministério Público (...) não se confunde com atitudes facistas de alguns de seus integrantes, que impedem o direito de manifestação e organização e destroem a base do sistema democrático", diz o movimento, em nota assinada pelo advogado Juvelino Strozake.
A seguir, a entrevista com o promotor Gilberto Thums:
Terra Magazine - O relatório do Ministério Público prevê a dissolução do Movimento dos Sem Terra?Gilberto Thums - Uma proposta é essa. Existe um conjunto de ações que estão sendo desencadeadas. Foi constatado através de um levantamento que o Ministério Público fez, de que o objetivo do movimento não é a luta pela conquista da terra. O Ministério Público considera hoje o MST um movimento político. Tanto é verdade que eles não fazem nenhuma questão de querer título de propriedade sobre lotes onde estão os assentamentos. Porque para o MST ninguém pode ser proprietário de terra, pois a terra é de todos. Quem consegue o título de propriedade tem que vender o lote para continuar no movimento.
E quais são os objetivos? Aqui no Rio Grande do Sul eles escolheram territórios estratégicos para ocupação. Um deles, por exemplo, fica em Nova Santa Rita. É um local estratégico. Uma granja que faz divisa com o pólo petroquímico, por onde passa um duto da refinaria (Alberto) Pasqualini e quatro linhas de redes de alta tensão que abastecem dois terços do estado do Rio Grande do Sul. Ali eles também têm acesso ao rio Guaíba. É o melhor lugar que o movimento poderia conseguir para paralisar o Estado. Para o Ministério Público o MST é um braço de guerrilha da Via Campesina. Eles não têm personalidade jurídica e se valem dessa ilegalidade e clandestinidade em que vivem para praticar os atos de vandalismo e destruição. É nítido para qualquer órgão de inteligência no mundo civilizado que tinha um processo de formação de guerrilha. Este movimento busca atentar contra o Estado Democrático de Direito, essa é a verdade.
Em que fase estão as ações do Ministério Público? A ação ainda não foi ajuizada. O primeiro passo foi a remoção de acampamentos. O segundo passo, a inibição de marchas em locais estratégicos. Um próximo passo, que estamos juntando material para isso, é declarar ilegal o movimento. Somos a favor da luta pela terra. Tudo que é movimento pacífico o Ministério Público apóia. Agora, este movimento perdeu o controle, está além dos limites que se aceitam num Estado Democrático de Direito. Em nenhum lugar do mundo esse movimento seria aceito com essa conformação em que está hoje. Eles se empenham hoje em atos de sabotagem contra instituições, contra as estruturas estatais. Isso não é tolerado em nenhum país civilizado do mundo. Nem na Rússia! (...) A ação principal ainda não foi apresentada. Ela está na fase do levantamento de documentos. Como alguns documentos nos estão sendo sonegados pelas autoridades, nós estamos tentando consegui-los por outros meios.
Não há terra improdutiva no estado? Não tem. Há um assentamento de terras que foram dadas pela União e pelo estado do Rio Grande do Sul, e dentro dele existe um acampamento. Isso é um absurdo. Inclusive, é ilegal. Sobrevoando a região se vê umas 100 casinhas que foram construídas, mas não plantaram um pé de alface. Ou seja, eles não tornam a terra produtiva, pelo contrário, eles apenas ocupam o espaço físico e abandonam para manter a ocupação territorial e continuam acampados em outras frentes.
Como haveria de fato a dissolução do movimento, já que o MST possui representatividade nacional? Nós (o Ministério Público estadual) não temos poderes para interferir em outros estados, mas aqui nós vamos iniciar um processo de revés contra eles.
Como? Nós podemos proibir o poder público de negociar com o movimento, pois vamos entendê-los como sendo uma organização criminosa, porque os objetivos não são lutas pacíficas. Qualquer pessoa que faz o que eles fazem estaria na cadeia. Se nós prendemos um ladrãozinho aí que furta um celular nós o metemos por dois anos na cadeia; se eles depredam e fazem tudo o que querem e não acontece nada, então alguma coisa está errada.
O fato de o movimento não possuir um CNPJ dificulta a ação do Ministério Público? Nenhuma ação indenizatória pode ser feita. Toda a ação que envolve desocupações é feita mediante identificação de cada um. Vamos partir para a responsabilizaçã o individual. Isso para efeitos penais, porque para efeitos civis não podemos fazer nada. São um movimento que aproveitam uma máscara de pele de ovelha, mas por trás, na verdade está um leão feroz. Nosso objetivo é mostrar às claras qual é o objetivo desse movimento.
Por outro lado, a defesa do MST diz ter o apoio do governo gaúcho... Eles podem ter até o apoio do presidente da República. Nós estamos lutando pelo império da lei. O Ministério Público não está preocupado com as autoridades que apóiam o movimento. Nós estamos usando a Constituição Federal em defesa do Estado Democrático de Direito. A sociedade brasileira está de saco cheio com este movimento, com esta bandeira. Os objetivos estão esgotados. A técnica de atuação é molestar a população. Tivemos um supermercado depredado. A que título? O que o supermercado tem a ver com a ideologia deles? Nada. Por que não invadem o Palácio do Governo então? Qualquer cidadão que entrar num supermercado e pegar um objeto vai preso. Como é que essa gente pode entrar, depredar, invadir, subtrair e não acontece nada? Isso é uma subversão da ordem pública. As coisas se complicaram muito é pela forma de atuação.
Terra Magazine

Ministério Público/RS X MST

Estimados amigos e amigas do MST
Entidades de direitos humanos,
Parlamentares, cidadãos do mundo!

Vimos a vossa presença para lhes pedir solidariedade. Nosso movimento está sofrendo uma verdadeira ofensiva de forças conservadores no Rio Grande do sul, que não só não querem ver a terra dividida, como manda a constituição, mas querem criminalizar os que lutam pela reforma agraria e impedir a continuidade do MST.
Para tanto essas forças politicas que defendem na verdade poderosos interesses dos grupos economicos de empresas transnacionais que estão se instalando no estado para controlar a agricultura e os latifundiários, estão representadas hoje no governo da sra. Yeda Crusius, na Brigada Militar, no poder judiciário local e no poder do monopolio da midia.
Abaixo estamos enviando varios documentos ilustrativos, que, apesar de exigir um pouco de paciencia podem explicar melhor a gravidade da situação.
Hoje, dia 24 de junho, apresentamos a denuncia formal, junto a comissão de direitos humanos do Senado Federal que se deslocou até Porto alegre, especialmente para acompanhar a situação.
Segue o documento-denuncia do Dr. Leandro Scalabrini, nosso advogado. Segue a ata da reunião do Ministerio publico, e cobertura da imprensa local.

O que pedimos a voces?
a)Que enviem cartas de protesto para a Governadora Yeda Crusius, e ao procurador geral de Justiça, que é nomeado pela governadora e coordena o Ministério Publico Estadual.
Há em anexo um modelo de carta. Mas se preferirem, usem de vossa criatividade.

b) Que todas as mensagens enviadas a autoridades, nos enviem copias para setor de direitos humanos do MST nacional dhmst@uol.com.br e para setor de imprensa imprensa@mst.org.br


Muito obrigado, por tudo

Juvelino Strozake
Setor de direitos humanos
MST/ nacional




DENUNCIA APRESENTADA PELO ADVOGADO LEANDRO SCALABRIN PARA A COMISSAO DE DIREITOS HUMANOS DO SENADO FEDERAL Porto alegre, 24 de junho de 2008.
Excelentíssimos Senhores Senadores e parlamentares presentes,.

Senhores e senhoras presentes nesta audiência pública

Sou advogado, presidente da comissão de direitos humanos da OAB de Passo Fundo, defensor dois oito supostos líderes do MST acusados da prática de crimes contra a segurança nacional, e não poderia me omitir, diante do maior esquema repressivo, da maior conspiração CIVIL-MILITAR realizada para aniquilar um movimento social desde o final da ditadura militar brasileira.
Conspiração que inicia com o coronel da Brigada Militar Waldir João Reis Cerutti, então comandante do CRPO Planalto, dois meses antes deste se licenciar para concorrer a deputado estadual pelo Partido Progressista – PP – em maio de 2006, quando formulou o dossiê intitulado ¨Situação do MST na região norte do RS¨. Este dossiê é uma sistematização de uma investigação por ele comandada e que teve por investigados o INCRA, a CONAB, o MST, MAB, MPA e a Via Campesina.
As conclusões da investigação são de que existe vinculação do governo federal ao MST; do MST com o PCC; e do MST com as Farc. O relatório informa que os acampados são massa de manobra de líderes da via campesina e que haveria a presença de estrangeiros junto aos acampados para dar treinamento militar em guerrilha rural, com o objeto de criar uma Zona de domínio, de controle através do domínio territorial, onde o MST substituiria o Estado (tal como ocorre com o tráfico nas favelas do rio de janeiro). A zona de controle territorial branco compreenderia a área abrangida pela Fazenda Anoni e Fazenda Guerra (16000 hectares), face a sua localização estratégica (acesso a todo estado, argentina, etc...) e por ser uma das mais ricas e produtivas regiões do estado. O documento propõe à justiça as seguintes medidas:
- reconhecimento de que as lideranças promovem ações criminosas;
- fixação de prazo para desativação dos 4 acampamentos existentes na região (Nonoai, Sarandi e Coqueiros);
- intervir nas propriedades arrendadas, onde existem acampamentos do MST;
- concessão de interdito proibitório de instalação de qualquer novo acampamento na comarca de carazinho num raio de 50 km da fazenda coqueiros.
Este documento foi entregue em "caráter confidencial" aos juízes e juízas que concederam ordens de busca e apreensão, interdito proibitório, ordens de prisão e reintegração de posse contra integrantes do MST na comarca de Carazinho, que o remeteram a Superintendência de Polícia Federal e a Promotoria de Justiça Especializada Criminal do MPE.
As teses e informações constantes do documento foram utilizadas em 1º de junho de 2006, pelo proprietário da Fazenda, integrante da FARSUL, para formular representação contra o MST junto ao MPE.
O coronel comandou a operação de despejo da fazenda guerra em 2006, onde a atuação da Brigada Militar assumiu todos os contornos de tortura em caráter coletivo, tendo atingido também crianças e adolescentes de forma generalizada, segundo as conclusões do relatório do caso 01-2006 do Comitê Estadual contra a Tortura, composto pela .
O Coronel Ceruti, quando de sua aposentadoria em 2007, em entrevista ao jornal Periódico Central de Passo Fundo, informou que durante a ditadura militar brasileira, esteve infiltrado no Acampamento da Encruzilhada Natalino, durante dois anos, usava o nome de Toninho, e sua missão era convencer acampados a aceitar as terras oferecidas pelo governo em Lucas do Rio Verde no MT e abandonar o acampamento, e ainda repassar informações aos exército, operando um rádio amador que possuía instalado num local da região.
Este dossiê resultou em três ações articuladas contra o MST:
- pelo Estado Maior da Brigada Militar,
- pelo Conselho Superior do Ministério Público do RS;
- pelo Ministério Público Federal de Carazinho.

O Estado Maior da Brigada Militar do RS, a pedido do então Subcomandante Geral da BM Cel. QOEM – Paulo Roberto Mendes Rodrigues, atual comandante geral da corporação, determinou a realização de investigações sobre as ações desenvolvidas pelo MST e aliados, em relação as ações praticadas contra a Fazenda Guerra (Coqueiros do Sul), Fazenda Palma (Pedro Osório), Fazenda Nene (Nova Santa Rita) e Fazenda Southal (São Gabriel).
No dia 20 de setembro de 2007 o relatório n. 1124-100-PM2-2007 foi encaminhado ao comandante geral da BM, onde emite parecer sugerindo sejam tomadas todas as medidas possíveis para impedir que as três colunas do MST que rumavam ao Município de Coqueiros do Sul, fossem impedidas de se encontrar. No relatório houve uma investigação secreta sobre o MST, seus líderes, número de integrantes e atuação no RS.
O relatório da força militar do RS caracteriza o MST e a Via Campesina como movimentos que deixaram de realizar atos típicos de reivindicação social mas sim atos típicos e orquestrados de ações criminosas, taticamente organizadas como se fossem operações paramilitares. Na conclusão do relatório é condenada a "corrente que defende a idéia de que as ações praticadas pelos movimentos sociais não deveriam ser consideradas crimes, mas sim uma forma legítima de manifestação". As investigações também foram dirigidas sobre a atuação de deputados estaduais, prefeitos, cidadãos que cederam ou arrendaram áreas para os acampados, integrantes do INCRA e supostos estrangeiros.
O comandante Mendes sugeriu a remessa do relatório ao Ministério Público do Estado do RS e ao Ministério Público Federal.
Provavelmente, este documento foi repassado a juíza que apreciou o pedido de interdito proibitório da comarca de carazinho em 2007. Naquele processo está certificado nos autos que o MPE repassou documento de caráter sigiloso à magistrada, que teve vistas do mesmo e o devolveu ao MP. Os advogados solicitaram acesso e vistas dos documentos e não obtiveram.
Em função desta ação da Brigada Militar, o MPE ingressou com ACP impedindo as colunas do MST de entrarem nos quatro municípios da comarca de carazinho no RS, e foram ingressadas com várias ações para impedir que as crianças que acompanhavam suas famílias permanecessem nas marchas.
Desde a formulação destes relatórios, perceberam-se mudanças nas ações da polícia civil e brigada militar, em relação a protestos realizados por professores, pequenos agricultores, sindicalistas, trabalhadores, acusados de delitos, pessoas pobres e principalmente contra os integrantes da via campesina.
A partir destes documentos a Brigada Militar passou a adotar aquilo que o Centro de contatos de movimentos sociais da fração Die Linke no Parlamento Alemão, chama de ¨práticas rígidas em reuniões¨.
Esta menção é importante porque o que vem acontecendo nos últimos dois anos do RS, aconteceu na Alemanha (ocidental) nos anos 80 e (unificada) nos anos 90, quando a polícia alemã adotou a chamada "Estratégia preventiva da polícia" em relação aos movimentos sociais.
Esta estratégia contempla dois níveis de repressão:
Nível inicial:
1 – amplo registro de dados (com a identificação massiva de participantes de protestos, grampos telefônicos e de email, uso de GPS, busca e apreensão de documentos de manifestantes e em sedes de entidades);
2 – práticas rígidas da polícia em reuniões (uso de gás, balas de borracha, tropas de choque, prisão de manifestantes, táticas anti-motim);
Num segundo nível, dirigido contra as organizações que não foram dizimadas com as práticas anteriores, a estratégia envolveu:
– proibição de existência legal de associações;
– mudanças na legislação penal.
A execução desta estratégia, na Alemanha, ocorreu por uma unidade especial ou uma espécie de autoridade especial, chamada KAVALA, criada na polícia, na qual todas as autoridades governamentais (em um intercambio intensivo) cooperam e que recebem tarefas da polícia. A KAVALA se transformou numa autoridade superior com atuação autônoma, na qual a separação entre a polícia civil e a militar, entre as unidades federais e estaduais e entre o serviço secreto e a polícia desapareceu. Todas as exigências de separação e principio de separação de poderes que segundo a constituição alemã serviriam para evitar medidas excessivas do executivo ou da polícia, foram desrespeitadas. Estes princípios haviam sido inseridos na constituição alemã devido às experiências do fascismo, justamente para evitar a formação de um aparato policial descontrolado. A kavala assumiu a liderança, não só no planejamento, mas também nas medidas operacionais. Assim ela se tornou destinatário do reconhecimento ou não do direito de manifestação, agindo sempre conforme sua previsão própria do risco de conflitos. Quem quisesse permanecer nas áreas definidas como de risco de conflitos, interferia na concepção de segurança da polícia, tornando-se criminoso ou terrorista em potencial. A kavala não só suspendeu a separação entre polícia e jurisdição, mas também passou a descrever em seus "relatórios de situação" a verdade para juízes e juíza – com todas as conseqüências que isso acarreta para a liberdade de reunião, a proteção legal de medidas da polícia e a ações do processo penal. Outra novidade foi o fato da Kavala preparar e publicar autonomamente comunicados de imprensa ofensivas, caracterizados por mensagens incorretas e previsões de risco enganosas, dirigidas á mídia e a opinião publica. Disso resultou a criação de "zonas especiais" onde estão suspensos o direito de reunião e manifestação e na identificação de centenas de líderes e mais de 1000 pessoas em processos judiciais.
No RS, nos últimos dois anos, ocorreu a KAVALIZAÇÃO da Brigada Militar. A execução desta estratégia, ocorreu inicialmente pelo BOE – Batalhão de Operações Especiais e agora, diretamente pelo comandante geral da Brigada. Ocorre um intercâmbio intensivo, entre MPE, Brigada, MPF, PF e Poder Judiciário, que cooperam e que recebem tarefas da BM. O BOE se transformou numa autoridade superior com atuação autônoma, na qual a separação entre a polícia civil e a militar, entre as unidades federais e estaduais e entre o serviço secreto e a polícia desapareceu. Exemplo disso foi o despejo dos dois acampamentos do MST em áreas arrendadas, próximas a fazenda coqueiros na semana passada, onde promotor, juiz, procuradora federal, auditoria militar e comando militar, polícia civil estavam presentes. Todavia, o direito dos acampados de terem um advogado não foi garantido. É prática do BOE, congelar a área, impedindo os advogados dos acampados acompanhar as operações. Todas as exigências de separação de poderes que segundo a constituição brasileira serviriam para evitar medidas excessivas do executivo ou da polícia, estão sendo desrespeitadas. A constituição federal de 1988 proíbe as policias militares de atuarem na investigação de infrações penais e de movimentos sociais ou partidos políticos. O art. 144 da constituição federal estabelece que às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. A brigada militar invadiu a competência da policial civil e da polícia federal. Estes princípios haviam sido inseridos na constituição devido às experiências da ditadura militar brasileira, justamente para evitar a formação de um aparato policial descontrolado. O BOE-EMBM assumiu a liderança, não só no planejamento, mas também nas medidas operacionais. Assim ela se tornou destinatário do reconhecimento ou não do direito de manifestação, agindo sempre conforme sua previsão própria do risco de conflitos. Quem quisesse permanecer nas áreas definidas como de risco de conflitos, interferia na concepção de segurança da polícia, tornando-se criminoso ou terrorista em potencial. Isto foi visto claramente quando os manifestantes foram impedidos de chegar ao palácio Piratini, e com as marchas do MST que foram impedidas de chegar a Carazinho. A Brigada não só suspendeu a separação entre polícia e jurisdição, mas também passou a descrever em seus "relatórios de situação" a verdade para juízes e promotores – com todas as conseqüências que isso acarreta para a liberdade de reunião, a proteção legal de medidas da polícia e a ações do processo penal. A brigada também prepara e publicar autonomamente comunicados de imprensa ofensivas, caracterizados por mensagens incorretas e previsões de risco enganosas, dirigidas á mídia e a opinião publica. Disso resulta a criação de "zonas especiais" onde estão suspensos o direito de reunião e manifestação, e no RS, hoje existem quatro zonas especiais, ao redor das fazendas Southal, Palma, Nene e Guerra, criadas por decisão judicial em ACP proposta pelo MPE, onde num raio de dois quilômetros destas fazendas, está proibido o direito de reunião e manifestação do MST. No ano passado toda a comarca de Carazinho era uma zona especial por determinação da justiça. Deste processo todo está decorrendo na identificação de milhares de pessoas em manifestações, para que posteriormente respondam processos judiciais. Nos últimos anos tem ocorrido o cumprimento de mandados de busca e apreensão na sede do Movimento de Mulheres Camponesas, durante o Encontro Estadual do MST na COANOL – onde o congresso foi desbarato; e nos acampamentos do MST na Southal e em Coqueiros do Sul. Também ocorreu a decretação da prisão de dois supostos líderes, que foi revogada pelo STF. Ocorreram também apreensões ilegais de agendas e documentos dos acampados, que são utilizados nos informes secretos. Existem fortes indícios de grampos telefônicos ilegais e monitoramento de pessoas. A brigada continua infiltrando agentes nos acampamentos que são expulsos quando descobertos e aí dão declarações fantasiosas sobre o movimento. Os que não são descobertos apresentam-se nos batalhões da brigada e prestam depoimentos contra o movimento. Existem pelo menos dois casos documentados desta situação embora não se possa provar que recebem dinheiro da força militar do RS.
Mas isto não é tudo e não é pior. Como a repressão policial com uso de força não conseguiu extinguir o movimento e os acampados, o processo de kavalização foi para seu segundo estágio que é a tentativa de decretar-se a proibição legal e da dissolução do MST.
Depois de seis meses de investigações levadas a cabo por dois promotores de justiça, no dia 3/12/07 o Conselho Superior do Ministério Público do RS aprovou POR UNANIMIDADE o voto-relatório elaborado pelo procurador de justiça Gilberto Thums, nos autos do processo nº 16315-09-00/07-9, onde foram aprovadas quatro constatações e uma série de encaminhamentos contra o MST:

"A primeira constatação é inarredável. É preciso desmascarar o MST como movimento que luta pela reforma agrária. A forma como agem os integranes do MST é clara no sentido de tratar-se de uma organização criminosa, à semelhança de outras que existem no mundo, e que objetiva conquistas territoriais para a instalação de um "Estado-paralelo", com nítida inspiração leninista, e não um movimento que luta pela terá em prol de seus filiados. O MST hoje é uma organização criminosa que utiliza táticas de "guerrilha rural" para tomada de território estrategicamente escolhidos por seus líderes." – fls. 96
"...conflitos agrários que se avizinham face da complacência do poder público, notadamente dos governos de esquerda, com a questão agrária e o tratamento dispensado aos sedizentes "sem-terra". No caso, o governo federal tem-se mostrado completamente omisso para solucionar o problema, limitando-se a fornecer cestas básicas, lonas para as barracas, chachaça, treinamento em escolas para conhecer a cartilha de Lenin, etc., menos a identificação de terrfas não produtivas e que poderiam ser destinadas para a reforma agrária.
Uma pergunta que não quer calar: porque se invade uma fazenda-empresa, que é altamente produtiva? O que representaria para a economia do país destruir fazendas produtivas e entregá-las a vagabundos que jamais trabalham em terras e sequer conhecem manejo de plantações?
O quadro que se vislumbra numa invasão a uma fazenda é de causa escarnecimento a qualquer pessoa que não tem a mínima noção de produção de alimentos. O que invasores movidos a cachaça, utilizados como massa de manobra do MST vão fazer numa fazenda mecanizada que é produtiva (tem reserva natural, rio, usina de energia, imensa área de cultivo e se situa numa posição geograficamente estratégica)?
O MST é uma organização estruturada e despersonalizada juridicamente, tal qual as FARCS colombianas, pois assim não pode ser responsabilizado pelos seus atos contra bens jurídicos individuais ou coletivos. Todavia, recebe auxílios financeiros do poder público e de entidades estrangeiras, tudo de forma mascarada, utilizando-se de instituições aparentemente legais." Fls. 98-99
"Porem o que mais preocupa é a ideologia que atualmente move o MST, caracterizando-se como movimento revolucionário, com objetivo de tomada de poder, iniciando-se pelo espaço territorial." Fls. 100
"O MST não está em busca de terras para assentar "colonos", mas quer conquistar territórios pagos com o dinheiro do povo brasileiro. Estes territórios pasarão a ser controlados pelos seus líderes e servirão para instalar um estado-paralelo, porque se trata de áreas estrategicamente localizadas em espaço estratégico, servido por usinas de energia, acesso por rodovias, e controle absoluto do território." – fls. 106
"É preciso adotar medidas para neutralizar o MST no RS, desconstituindo-o como um "movimento legítimo de reivindicação". A medida é a mesa adotada para a torcida organizada Mancha Verde em São Paulo, que trazia violência aos campos de futebol. Pois bem, chegou a hora do BASTA." Fls. 107
"As ações predatórias do MST ... estão a exigir uma imediata e vigorosa ação representada por um conjunto de providencias que levem à neutralizaçao de suas atividades e declaração de ilegalidade do movimento.
...Assim, tirando-se o véu ou a carapaça de proteção do MST, tem-se um grupo de pessoas mal intencionadas, que dirigem um organismo, recrutam ou aliciam pessoas com promessas de acesso a terra... É uma afronta à Democracia.
Neutralizando o MST e declarando-se ilegal a sua existência, quebra-se o vinculo com a Via Campesina e sua legitimidade de negociação com o poder público". Fls. 108-109
Cabe ao MP agir AGORA. "Quebrar a espinha dorsal do MST." O momento é histórico no país e se constitui no maior desafio já apresentado à Instituição pós 1988: A DEFESA DA DEMOCRACIA. Não importa o desgaste eventual das medidas aos simpatizantes do movimento. O MP não é uma instituição governamental, porque se fosse, ficaria assistindo passivamente ao avanço do movimento cujo objetivo é a subversão da democracia, eis que se trata de organização paramilitar...
Essa é a primeira constatação e as necessárias providencias. Assim, voto no sentido de designar uma equipe de Promotores de Justiça para promover ação civil pública com vistas à dissolução do MST e a declaração de sua ilegalidade. Não havendo necessidade de maior investigação sobre o que já foi apurado..." fls. 110

A segunda constatação reside nos campos de treinamento de seus integrantes para formar uma legião de seguidores e aliciadores do movimento. Existem no Estado três locais onde estariam sendo ministradas lições de guerrilha rural pelos técnicos das FARCS aos membros do MST. Esta informação vem da brigada militar. Um deles chamado Centrão, em Palmeira das Missões, outro CETAP em Pontão e o terceiro em Veranópolis. – fls. 111


"A terceira constatação consiste na desativação e remoção dos acampamentos situados nas regioes de conflitos permanentes, onde o MST escolheu determinado território para ocupação". Fls. 116


"A quarta constatação consiste na necessidade de intervenção do MP nas relações entre INCRA-RS e a organização dos acamapados, com o fim de promover um recadastramento com identificação de todos os que já receberam lotes do governo e se ainda continuam na terra, bem como os que ainda pretendem permanecer acampados, aguardando o seu assentamento, identificando quem realmente tem origem rural e quem é recrutado como desempregado urbano, apenas para engrossar as fileiras do MST. Quais os assentamentos que são produtivos, o que produzem, e como funcionam esses assentamentos." – fls. 119


A quinta constatação diz respeito à intensa migração de sem-terras entre acampamentos, o que poderá provocar, em tese, desequilíbrios de eleitores locais. – fls. 119


Vários encaminhamentos destes já foram concretizados:
- várias ACP para retirar as crianças da companhia de pai e mãe que estiverem participando de marchas;
- ACP que transformou a comarca de Carazinho numa zona especial, impedindo a realização de protestos pelo MST;
- ACP que despejou dois acampamentos de duas áreas arrendadas e proibiu os proprietários de arrendar, sob pena de multa de R$10 mil diários;
- 03 ACP que criaram zonas especiais ao redor das fazendas Palma, Nene e Southal.
Os próximo passos são a dissolução do Instituto Educar de Pontão e do Iterra em Veranópolis. E o passo maior: a dissolução do MST. Estas ações já devem estar sendo elaboradas, e nos próximos dias assistiremos a sua proposição.
A decisão do Ministério Público ofende o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, especialmente o artigo 22, nº 1. Este pacto foi reconhecido pelo Governo brasileiro através do Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992.
A decisão também ofende a Constituição Federal. O artigo 5º, inciso XVII, diz que "é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar."

Paralelamente a deliberação do CSMP-RS, o MPF de Carazinho, acatando a tese do Coronel Cerutti, no dia 11 de março de 2008, denunciou oito supostos integrantes do MST por "integrarem agrupamentos que tinham por objetivo a mudança do Estado de Direito, a ordem vigente no Brasil, praticarem crimes por inconformismo político, delitos capitulados na Lei de Segurança Nacional da finada ditadura brasileira, referindo na sua denúncia que os acampamentos do MST constituem "Estado paralelo" e que os atos contra a segurança nacional estariam sendo apoiados por organizações estrangeiras como a Via Campesina, as FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, além de estrangeiros que seriam responsáveis pelo treinamento militar.
Cabe destacar que a pedido da procuradora, a Polícia Federal investigou o MST durante todo o ano de 2007, e concluiu inexistirem vínculos do movimento com as FARC, presença de estrangeiros realizando treinamento de guerrilha nos acampamentos e inexistir a pratica de crimes contra a segurança nacional.
Mesmo assim, a ação, que busca o reconhecimento de que os acusados são terroristas, é condição e pré-requisito para a dissolução do movimento, foi proposta. Inclusive, nesta data, está ocorrendo o interrogatório dos acusados.

Todos estes documentos que nos referimos, estão sendo entregues neste momento aos senadores e ministro, foram repassados pela Procuradora Federal Patrícia Muxfeldt que está utilizando os mesmos como prova contra os oito acusados de praticarem crimes contra a segurança nacional, processo que tramita em sigilo na justiça federal de Carazinho. Não fosse isso jamais teríamos acesso aos mesmos, pois possuem o caráter de RESERVADO na Brigada Militar, e de CONFIDENCIAL no Ministério Público Estadual (documentos confidenciais para o MPE só são divulgados depois de 10 anos de sua elaboração). Meus clientes autorizaram e determinaram a divulgação destas informações, principalmente depois que o próprio ministério público estadual divulgou parte delas na imprensa na semana passada.
Dr. Leandro Scalabrin


Repercussao na imprensa Porto alegre 24 de junho de 2008.
Senadores recebem denúncias de violência policial no RSEm anexo: documento do MP que prega o fim do MSTA violência de Estado contra os movimentos sociais foi tema da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, nesta terça-feira (24). No encontro, os senadores, os deputados federais e estaduais assistiram ao vídeo com treze atos de violência, agressão e repressão aos movimentos sociais. O deputado Dionilso Marcon (PT) relatou a violência e a brutalidade utilizada pelo comando da BM contra os manifestantes no dia 11 de junho, no Parque da Harmonia e em mais 12 eventos recentes. No relato, o comandante da BM declarou publicamente que os manifestantes eram baderneiros e o comando da BM impediu que prosseguissem até o Palácio Piratini, aonde ocorria uma grande manifestação contra a corrupção no governo Yeda. O ponto alto da audiência foi a divulgação da ata do Conselho Superior do Ministério Público que deliberou a formulação de uma política de intervenção do MP pelo fim do MST, de suas escolas, pela investigação do Incra, da Conab e da Via Campesina. Em determinado trecho o MP indica a investigação e a criminalização do MST. O documento de três páginas sugere o impedimento de marchas, de deslocamentos dos agricultores, assim como a desativação de acampamentos. Também sugere o cancelamento do alistamento eleitoral dos agricultores sem terra nas regiões em conflito e a formulação de uma política oficial do MP com a finalidade de "proteção da legalidade no campo". Segundo o deputado Marcon a divulgação do documento do MP e as ações da BM comprovam que a Constituição Federal está sendo violada. Segundo ele, o documento descoberto pelos movimentos sociais aponta vários níveis gradativos de repressão: O primeiro, segundo a denúncia dos movimentos, seria a identificação, grampeamento telefônico e de mails de manifestantes, lideranças e de parlamentares; o segundo, com a prática de violência com o uso de gás e balas de borracha, tropas de choque, prisão de manifestantes; num terceiro e último estágio seria a proibição de existência legal de associações e a mudança na legislação penal. Presente na audiência, o bispo de Santa Cruz do Sul , Don Sinésio Bohn afirmou que a Igreja está ao lado dos pobres, assim como Jesus Cristo o fez e que por isso estava ali junto dos trabalhadores. Os senadores receberam o documento com as denuncias e ficaram perplexos com as imagens de violência e com as declarações do comando da BM e da governadora sobre a operação no Harmonia. A deputada Federal Maria do Rosário (PT) afirmou que o documento do MP sugere a suspensão da Constituição e de direitos fundamentais da cidadania e dos direitos Humanos. "O MP deveria investigar os R$ 650 mil desviados pela Confederação Nacional da Agricultura que utilizou os recursos na campanha dos ruralistas da senadora Kátia Abreu", destaca Rosário. Outro absurdo do documento do MP , segundo Rosário, é a sugestão de cancelamentos do direito de voto dos eleitores do MST nas áreas de acampamento. A coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no Rio Grande do Sul divulgou nota oficial, na semana passada, denunciando as recentes ações da Brigada Militar e os argumentos utilizados pelo Ministério Público gaúcho para a execução do despejo de dois acampamentos no interior do Estado. Segundo a nota, "os métodos e argumentos do Ministério Público e da Brigada Militar ressuscitaram a ditadura militar no Rio Grande do Sul". Fizeram parte da diligência o presidente da CDH, senador Paulo Paim, o senador José Nery, senador Flávio Arns, membros da CDH da Assembléia Legislativa do Estado e da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. A programação será a seguinte:9h- audiência com representantes dos movimentos sociais na Assembléia Legislativa do Estado; 13h - audiência com o comandante da Brigada Militar, Coronel Paulo Roberto Mendes; 14h – audiência com o secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, José Francisco Mallmann. FAC-SIMILE DA ATA DA REUNIAO DO M INISTERIO PUBLICO ESTADUAL - 10 de dezembro de 2007 No virus found in this outgoing message.Checked by AVG.Version: 8.0.101 / Virus Database: 270.4.1/1516 - Release Date: 24/6/2008 07:53-- NOTÍCIAS E TEXTOS:http://www.brasildefato.com.brhttp://www.radioagencianp.com.brhttp://www.midiaindependente.orghttp://www.correiodacidadania.com.brhttp://www.agenciacartamaior.com.brhttp://www.adital.org.brhttp://www.oficinainforma.com.br/reportagem/http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/--CALENDÁRIO:De 13 a 21 de julho de 2008, Campina Grande – PBIII Congresso Brasileiro dos Estudantes de Filosofia (COBREFIL)